Não Podemos entrar nessa correria.





1- Introdução

Lendo um livro sobre Teologia Urbana, me deparei com algo interessante que pretendo compartilhar com vocês. O autor do livro afirma que devido ao desenvolvimento urbano, a cidade acaba adquirindo certas lógicas que influenciam a vida das pessoas e conseqüentemente a Igreja. Uma dessas lógicas da cidade é sobre o tempo e a busca frenética de prazer (satisfação) das pessoas, que por suas configurações urbanas, afeta o modo das pessoas encararem as coisas e compromissos.

2- O tempo, veloz e exigenteSegundo ele a vida da cidade impõe novas medições de tempo alterando-o do tempo que antes usávamos como aliado nos planos e projetos, para a degradação do tempo, que passou a ser medido em milésimos de segundo, tornando-se praticamente um inimigo das pessoas, impondo sobre as mesmas uma corrida vertiginosa.

Tudo tem que ser realizado da melhor maneira possível, no menor espaço de tempo. Isso pode ser visto nas competições em todas as modalidades esportivas e automobilísticas. O esforço está em conseguir o melhor, no menor espaço de tempo com o maior benefício pessoal. O prazer e a realização, via de regra, estão relacionados a uma nova lógica sobre tempo e espaço, no mundo urbano.Nesta lógica, a vida também passou a ser determinada pela velocidade e imediaticidade de suas realizações, o que faz com que haja uma alta seletividade nos compromissos assumidos pelas pessoas, pois, elas não têm tempo a perder e por isso querem o melhor se possível agora, se não para daqui a pouco. Esperar não faz mais parte da virtude das pessoas. Impulsionadas pelo espírito urbano, pela lógica da cidade, elas se tornaram mais pragmáticas, valorizando o que trás mais resultados imediatos, onde o tempo determina os valores que devem ocupar a vida de cada um. Hoje em dia isso tem afetado todo tipo de atividade individual e social.

Por exemplo, a imensa oferta de programas educacionais cuja maior característica é a velocidade com que se consegue uma formação. Outro exemplo é a rapidez com que o mercado oferece novos produtos para o consumo, e a enorme variedade de um mesmo produto à disposição dos consumidores. Um objeto que compramos à dois ou três meses, hoje já se tornou obsoleto, pois há outros mais atraentes sendo oferecido em seu lugar no mercado. Isso ocorre com todo tipo de mercadoria e bem, seja real ou simbólico.

Tempo é sinônimo de realização, prazer, lucros e novas possibilidades.Volta-se ao antigo, mas permanente dizer neo-capitalista: “tempo é dinheiro”. E na cidade, onde os tempos estão a serviço da produção, do consumo e do prazer, como principais resultados, pois é isto que o ambiente urbano industrializado propõem, o consumismo é marca de sentido, ascensão social e realização pessoal. Em uma situação como esta, como ficam os atos e ações da fé? O mínimo que podemos afirmar sobre isso, é que este tempo extremamente rápido e seu pragmatismo, não dá chance para as coisas da fé, que não podem ser administradas na mesma velocidade, e acompanhar o movimento frenético estabelecido pela sociedade urbana.

No tempo da cidade, o tempo religioso, que serve aos projetos de fé se torna secundário, e isso desencadeia uma reviravolta radical na forma das pessoas se relacionarem com Deus, com a igreja, com sua comunidade e consigo mesmas. Colocar a fé, e o relacionamento com Deus sob tutela dessa corrida vertiginosa, trás sérias complicações para a experiência e prática religiosa das pessoas. O perigo mais trágico em todos os níveis, é que as respostas da fé propostas pela palavra de Deus assumam a dinâmica que a cidade e sua lógica mercadológica estabelecem, em prejuízo da sua finalidade.Para a tendência urbana e para as expectativas que ela coloca, a fé ou faz as devidas adaptações, se adequando ao ritmo imposto pela visão social urbana, ou será descartada e substituída por novas formas mais interessantes. E isso pode ocorrer, porque o ambiente da cidade valoriza o resultado imediato. Não importa o que o produza, seja um bem material, seja uma experiência mística ou espiritual, real ou simbólica, tudo tem que ser para agora e de acordo com os critérios de cada pessoa.O que isso tem a ver especificamente conosco como pastores? Veremos alguns aspectos importantes para o nosso pastoreio, que podem influenciar o nosso modo de ser e de atuar na igreja de Cristo.

1-Em decorrência da ultra valorização do tempo como elemento imprescindível para conquista de coisas que resultem em prazer e satisfação pessoal, a fé sofre ameaças, ou como diz Libânio: “ As ameaças vêm de ela deixar-se influenciar pela... modernidade , mercantilizando-se, tornando-se instrumento de poder e fazendo-se simplesmente notícia”(Libânio, 2002). Ainda segundo ele, “ a mercantilização da fé acontece ao transformarem-se os sinais, ritos, símbolos, celebrações com que ela se reveste – sua expressão religiosa- em produto de consumo. As instituições religiosas produzem tais mercadorias religiosas para saciar a fome consumista das pessoas”(Libanio,2002).

2-O interesse de seguir as lógicas da cidade e do consumismo, pode levar o pastoreio e a igreja, a deixar de propor a fé com resposta de confiança, de compromisso que aceita o tempo de Deus, que exige paciência e bom senso, e oferecer alternativas imediatistas seguindo uma lógica mercadológica, iniciando o comercio de bens religiosos, que não exige nenhum compromisso com a “fé que uma vez foi entregue aos santos” . “ Neste caso, a religião se submete totalmente à idolatria e a feitiço do mercado”(Libânio,2002), cuja pretensão é de oferecer sentido definitivo para a vida das pessoas no lugar de Deus, quando ele mesmo faria diferente.

3- Enfim, um dos maiores perigos que corremos, é sermos atraídos por essa tendência consumista de mercado focada no prazer imediato, que já assumiu uma aura de sacralidade, e no afã de responder às demandas e carências das pessoas que influenciadas pela imediaticidade proposta pela sociedade de consumo querem tudo para agora, propormos soluções que não sigam o ritmo e princípios estabelecidos pela palavra de Deus. E em decorrência disso, mercantilizarmos os bens da graça como se fossem mercadorias que pudessem ser adquiridos mediante troca ou pagamento de algum valor. E ainda mais, com a intenção de darmos resposta prontas à todas as questões e problemas apresentados pelas pessoas, transformarmos a fé em mera religiosidade, o que significa deixar de assumir a fé como uma “real experiência no sentido de adesão a uma Palavra transcendente que procede de Deus, que questiona, que converte, que conduz à prática”(Libânio), que informa e exige que cada um de nós assumamos as implicações da cruz de Cristo, que difere totalmente de uma busca de experiências religiosas gratificantes, simplesmente pelo seu alto nível emocional, místico, festeiro, e transitório, que não convoca ao seguimento de Jesus e a ética e moral cristã.

O que fazer para evitarmos estes perigos em nosso pastoreio? Proponho um retorno à palavra de Deus especialmente no Salmo 40.1-4 que nos orienta como lidarmos diante de Deus com as nossas necessidades, expectativas e sofrimentos num mundo imediatista, que não tem tempo para nada.

Para Davi, a solução para suas dificuldades, sofrimentos e necessidades, foi alcançado pela fé, pela paciência e esperança na fidelidade de Deus. Para ele não é necessário e nem é a vontade de Deus, agir de outra forma. Esperar com paciência a ação de Deus produziu os resultados mais satisfatórios e definitivos que ele podia alcançar. Davi nos ensina que a nossa fé quando colocada em Deus, abre inúmeras possibilidades, pois não há limites para o agir de Deus quando Ele decide agir a seu tempo a nosso favor. Nessa experiência, Davi nos faz também perceber que não há como forçar Deus agir como queremos.

A postura mais eficiente de cada um deve ser a fé, seguida da confiança e da esperança com paciência, assim como ele fez, independente de qualquer influencia externa, seja da cultura seja de dentro de nós

mesmos.ConclusãoNa sociedade urbana tão conturbada e carente, ávida de soluções imediatas como a nossa, precisamos ter o cuidado de não entrarmos no seu jogo, mercantilizando a fé e a experiência com Deus reduzindo-as ao mero desfrutar descompromissado de bens que duram apenas por um pouco de tempo. Não devemos alimentar este tipo de sentimento nas pessoas.

Devemos sim, seguir os princípios contidos na palavra de Deus, com a devida serenidade, resignação e obediência. Não podemos baratear a graça e nem fazer da fé um meio de troca.Concluo com outra citação de Libanio que diz: “ A fé sofre, sem dúvida, o impacto dessa nova situação urbana.

Cabe-lhe também assumir uma atitude crítica da transformação da concepção de tempo urbano.
Este tende a reduzir as atividades humanas à função lucrativa, interessada. O tempo urbano tem dificuldade de entender a gratuidade. Até gestos prazerosos, que poderiam parece gratuitos entram na roda-viva da produtividade, do comércio, do lucro... Numa palavra, a fé e a religiosidade priorizam a gratuidade de tudo, enquanto a cidade quer inserir no mundo do mercado, inclusive a própria religião. De novo, trata-se de ser ‘contracultural’(p.107). Para não sermos tentados a agir dessa forma, devemos como Daví, ter total confiança no tempo e no agir do nosso Deus com a motivação necessária para não desistir, trabalhando para dias melhores para nós e para as outras pessoas, pois como diz Daví: “ Quanto a mim, sou pobre e necessitado, mas o Senhor preocupa-se comigo”(Sl 40.17).
Isso, não deve ser lido com pessimismo e motivo de acomodação, mas de confiança no poder e no tempo de agir do nosso Deus, sem as configurações lógicas da cultura urbana que nos envolve no dia-a-dia.

Bibliografia:LIBANIO, João B. As Lógicas da Cidade; o impacto sobre a fé e sobre o impacto da fé. São Paulo: Edições Loyola, 2002. FTML.

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