As entrelinhas


De vez em quando me sinto como quem toca harpa enquanto a cidade está em chamas. Com a atenção voltada quase exclusivamente para os temas próprios da experiência espiritual e religiosa é fácil perder de vista as intrincadas dimensões do cotidiano: o discurso religioso pode tender perigosamente à abstração, tornando-se atemporal e etéreo, como se já vivêssemos em outro mundo, o céu, tendo deixado a terra entregue à sua própria sorte ou aos urubus.

É verdade que a maldade humana e a bondade divina; a mortalidade e finitude da criatura diante da eternidade do Criador; pecado, culpa, condenação e danação face às possibilidades do perdão, da redenção e da salvação plena; arrependimento, fé, esperança e amor; são mesmo temas que não sofrem o desgaste do tempo e atingem consciências em abrangência universal. Mas não é menos verdadeiro que os fatos do cotidiano estão implicados no que chamamos vida: caso a espiritualidade não afetasse a trama diária, a experiência religiosa seria coisa de anjos e defuntos.

Por esta razão, o exercício constante de quem busca a vida de piedade e devoção religiosa deve, como sugere Henri Nouwen, "ler jornais de forma espiritual", pois "os jornais servem para nos ajudar a ler os sinais dos tempos e a dar sentido à vida". Nouwen ensinou que "Jesus não olha para os acontecimentos dos nossos dias apenas como uma série de incidentes e acidentes que pouco têm a ver conosco. Jesus olha para os eventos políticos, econômicos e sociais da nossa vida como sinais que apelam para uma interpretação espiritual".

Por trás do extraordinário jamaicano Usain Bolt, o homem mais rápido do mundo, se esconde a busca humana de identificação e superação dos limites; na face de Marina Silva se revela a insistência humana em crer na utopia; por entre os corredores do Senado Federal rastejam cobras peçonhantas que se valem da posição de poder para matar, roubar e destruir; o emaranhado de empresas fantasmas ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus sugere a inescrupulosidade dos que fazem do sofrimento humano uma fonte de lucro e transformam a esperança em mercadoria, tudo em nome de Deus - não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.

Não foi sem razão que Karl Barth, teólogo protestante, disse que o cristão deve carregar em uma das mãos a Bíblia e na outra o jornal. Foi assim que, em meio à barbárie do nazismo, conseguiu "discernir os tempos" e atuar como principal redator da Declaração Teológica de Barmen, que estabeleceu critérios para as relações dos cristãos ameaçados por um Estado totalitário e da ideologia do nacional-socialismo. A Bíblia aponta o norte, o jornal aponta o chão. A Bíblia nos ajuda a enxergar o céu, o jornal nos livra de andarmos com a cabeça nas nuvens. A Bíblia é a resposta de Deus, o jornal, a pergunta dos homens.

Lendo o jornal com a Bíblia nas mãos conseguimos interpretar de modo espiritual o que está por trás da teia da vida e discernir o sentido mais profundo da história, que Nouwen compreende ser "um convite constante a voltarmos o coração para Deus".

Notas:
Fonte: IBAB

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