MEDO E INSEGURANÇA, UMA DUPLA INSEPARÁVEL


Todos já ouvimos o velho ditado popular “Aonde vai a corda, vai a caçamba” quando alguém quer se referir a pessoas ou objetos que vivem juntos, quase de forma inseparável. Expressões semelhantes foram surgindo, mas sempre com a mesma intenção de destacar a íntima relação existente entre idéias, conceitos ou sentimentos: “futebol sem bola”, “Piu-Piu sem Frajola” e muitas outras. Nesse aspecto, o medo e a ansiedade formam uma parceria tão íntima que não há possibilidade de imaginarmos ou sentirmos um sem o outro. Sempre que o medo está presente, a ansiedade se revela em plenitude, sejam em evidentes sinais físicos ou invisíveis, presentes em sintomas psíquicos. Cabe até a pergunta; “O que veio primeiro, o medo ou a ansiedade?”, nos mesmos moldes da semelhante indagação sobre o ovo e a galinha.

No caso específico da dupla medo-ansiedade, arrisco na primazia original do medo, pois sendo uma emoção primária do ser humano (inato) foi a percepção dele que gerou e perpetuou a ansiedade, nos mais diversos níveis, em cada um de nós.

De acordo com o DSM- IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os principais transtornos ansiosos são as fobias, o transtorno do pânico, o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno obsessivo-compulsivo, as reações ao estresse, os transtornos dissociativos e os transtornos somatoformes. Todos com nomes pomposos e ligeiramente complicados, mas que na realidade são as “faces ocultas” que o medo pode assumir ao se manifestar de forma excessiva no cotidiano de todos nós. Os transtornos de ansiedade são na realidade um funcionamento incorreto do sistema do medo.

A principal característica das fobias é a evocação de excessiva ansiedade preponderantemente por certas situações e determinados objetos. É importante destacar que esses não representam em si a ameaça que determinadas pessoas vivenciam e tanto temem. Comumente a eclosão ansiosa desencadeada por objetos ou circunstâncias específicas leva essas pessoas a um processo de evitação, o que faz com que a exposição aos fatores desencadeantes seja evitada a qualquer custo. A simples possibilidade de enfrentarem estas circunstâncias produz ansiedade antecipatória.

As fobias mais comuns são: a agorafobia, a fobia social e a fobia simples. Na agorafobia o indivíduo vivencia grande temor em se encontrar em lugares abertos e amplos, bem como em multidões e outras circunstâncias onde a possibilidade de saída ou fuga não se apresenta como uma alternativa fácil e imediata (trem, avião, metrô, etc.).

Na fobia social a condição fortemente temida e evitada é a exposição em público, incluindo a realização de uma palestra, a realização de uma pergunta em sala de aula, assinatura de um cheque ou a tomada de um cafezinho sob o olhar de outras pessoas.

Nas fobias simples, a eclosão de ansiedade é restrita a determinadas situações e objetos específicos, bem como o encontro com certos animais, idas ao dentista, visão de sangue, etc.

O transtorno do pânico pode ser caracterizado pela ocorrência de repetidas crises agudas, automáticas e imprevisíveis de ansiedade que não se encontram relacionadas com circunstâncias ou objetos específicos.

O transtorno de ansiedade generalizada (TAG), ao contrário dos quadros até aqui citados, caracteriza-se por um estado permanente de ansiedade sem nenhuma associação a situações ou objetos. A pessoa com TAG, sofre por diversos incômodos subjetivos (nervosismo, sudorese, diarréia, palpitação, tonturas, tensão muscular, etc.) a cada instante de sua existência.

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é, sem qualquer dúvida, o mais complexo quadro entre os transtornos ansiosos. Caracteriza-se pela presença de obsessões e/ou compulsões. As obsessões seriam idéias recorrentes de caráter intrusivo e desagradável que causam muita ansiedade e tomam uma parcela significativa do tempo dos indivíduos que sofrem desse transtorno. As compulsões, conhecidas popularmente como “manias”, são comportamentos ou atitudes de aspecto repetitivo que a pessoa com TOC é levada a adotar em resposta a uma obsessão, com intuito de reduzir a ansiedade provocada por estes pensamentos ruins.

Nas reações de estresse evidenciamos a ocorrência de um ou mais acontecimentos na vida, de caráter excepcionalmente perturbador, e que são considerados, por si só, a causa suficiente do mal-estar. Tais acontecimentos freqüentemente estão relacionados a mudanças inesperadas no cotidiano da pessoa (morte de entes queridos, desemprego, seqüestros, assaltos violentos, etc.), o que gera dificuldades de adaptação nova condição. Entre as reações ao estresse temos que destacar o transtorno o estresse pós-traumático que se caracteriza por uma resposta, não imediata ao evento ocorrido, porém este é revivenciado repetidas vezes em sonhos, imagens tipo flashback ou lembranças. O transtorno do estresse pós-traumático é acompanhado ainda por sensação de estranheza, tendência ao isolamento, falta de prazer e evitação de circunstâncias evocativas da situação traumática.

Os transtornos dissociativos, quando em uma fase de sua existência, a pessoa vivencia perda parcial ou total de significado de sua identidade pessoal. Desta forma sua memória se encontra alterada e constituída de falsos acontecimentos, culminando com a perda da noção de si mesma ou, ainda, em perdas de movimentos corpóreos (braços e pernas, principalmente). Os estados dissociativos freqüentemente são de início súbito e tendem a remissão pelo contato interpessoal. No entanto, é possível observar quadros dissociativos duradouros ou crônicos.

Nos transtornos somatoformes existe a presença de insistentes queixas que o indivíduo produz a partir de seus supostos problemas de saúde física. É interessante observar a oposição do paciente abordagem psíquica aos sintomas suscitados. Dentre os transtornos somatoformes devemos destacar a hipocondria e o transtorno de somatização.

Como pudemos observar a ansiedade pode se apresentar de diversas formas, no entanto todas elas encobrem a emoção primária e geradora deste sintoma: o medo. Baseados na premissa de que o medo produz as múltiplas formas com as quais a ansiedade se “veste”, precisamos entender que diante de um estado de ansiedade que gere desconforto, torna-se oportuno procurar um especialista para estabelecer um diagnóstico e possibilidades terapêuticas adequadas e favoráveis pessoa que sofre com seu estado de ansiedade. Somente o diagnóstico preciso do transtorno (ou patologia) pode assegurar a terapia eficaz. Até porque a ausência de resultados satisfatórios afasta o paciente, uma vez que como “bom” ansioso, ele tem “pressa”, necessidades exacerbadas e muita ansiedade para utilizar “pílulas” mágicas.

É necessário muito empenho e determinação por parte de nós médicos e psicoterapeutas, pois em alguns casos de transtorno de ansiedade ocorre uma grande dificuldade em estabelecermos o tratamento mais adequado para cada forma específica de ansiedade e para cada caso individual.

Felizmente os últimos anos nos trouxeram boas e animadoras notícias em relação ao tratamento dos transtornos de ansiedade. Além disso, o progresso ocorrido no campo das terapias psicológicas de apoio foi significativo. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) provou ser capaz de mudar os esquemas de pensamento que aprisionam essas pessoas aos seus próprios medos, além de alterar o seu comportamento (reações) frente os fatores desencadeantes de ansiedade.

Em relação s novas medicações, algo curioso aconteceu: a constatação da freqüente associação entre ansiedade e depressão fez com que os pesquisadores estudassem o uso de substâncias originalmente utilizadas como antidepressivos também para os casos de transtornos de ansiedade. A boa surpresa foi que algumas dessas substâncias mostraram-se realmente eficazes em determinadas formas de ansiedade patológica.

Atualmente podemos afirmar que em 80% dos casos de transtornos de ansiedade é possível melhorar em muito a qualidade de vida dessas pessoas, e isto pode ser testado pela satisfação que os próprios pacientes referem. Após a conquista desse bem-estar, sempre recomendamos que o paciente prossiga em sua terapia de manutenção, pois essa prática se mostrou eficaz na prevenção de recaídas. Como time que está ganhando não se mexe e canja de galinha não faz mal a ninguém, é “melhor prevenir do que remediar”!

*Dra. Ana Beatriz é médica psiquiatra, autora dos livros “Mentes Inquietas”, “Mentes e Manias”, “Sorria, você está sendo filmado” e “Mentes Insaciáveis”. Diretora das clínicas Medicina do Comportamento do RJ e SP.

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